Alunos entrevistam professor do Antares nos EUA

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19 de abril de 2016

Como parte do processo de conclusão de doutoramento pela UFSCar em Ciências Políticas, o professor de sociologia e história do colégio Antares, Felipe Gava, está atualmente no Colorado College, na cidade de Colorado Springs, nos Estados Unidos, sob orientação do professor Timothy Fuller, do departamento de ciência política e ex-reitor da instituição.

O projeto tem duração de seis meses e pretende usar o acervo da Tutt Library para aprimorar a pesquisa de doutorado sobre história das Teorias Políticas nos EUA. Além disso, está prevista a participação em aulas (no curso sobre liberalismo e conservadorismo), palestras e debates com representantes dos partidos Democrata e Republicano. Os alunos da 3ª série do ensino médio: João, Renan, Maria Beatriz e Guilherme, aproveitaram o envolvimento do professor nos estudos políticos atuais dos EUA e fizeram uma entrevista sobre a disputa eleitoral americana.

A entrevista

1 - Como funciona o Sistema Eleitoral Norte-americano?

As eleições nos EUA são marcadas pelo federalismo, ou seja, há grande autonomia dos estados na escolha dos métodos de seleção de candidatos. Tudo começa com as disputas internas aos partidos, nas quais os candidatos disputam os delegados de cada estado – cujo número varia de acordo com sua população. O Partido Republicano permite que em alguns estados ocorra o sistema de “winner take all”, no qual o candidato vencedor leva todos os delegados – como o caso da Flórida.

Na maioria dos Estados, contudo, existe o sistema proporcional de delegados de acordo com a votação (Nevada é um exemplo). No Partido Democrata, só é permitido o sistema proporcional. Feito este processo, há a deliberação via colégio eleitoral, que reúne todos esses delegados e decide o candidato. A eleição presidencial praticamente repete o que ocorre nas eleições internas de cada partido, com pequenas alterações.


2 - Sabemos que antes das eleições oficiais, existe uma eleição primária, no partido democrata e no republicano, para escolha de um único candidato. Como funciona o processo das eleições primárias, desde quando um candidato anuncia sua candidatura, até a escolha final?

A autonomia dos partidos em cada estado fica clara nesse processo, de modo em que os mesmos podem escolher os eleitores dos candidatos nas eleições primárias, podendo ser através de “cáucus” – palavra de origem indígena, cuja etimologia significa “encontro dos caciques”, e, neste caso, uma primária fechada a membros do partido no estado – ou, simplesmente aberta a eleitores comuns, que devem optar pelo voto em um único partido.


3 - Um candidato pode ser eleito vencendo as eleições em uma maioria de estados, mesmo que esses tenham um número menor de eleitores totais?

É muito improvável. O candidato pode até vencer em um número maior de estados, mas, se forem pequenos colégios eleitorais, não conseguirá a maioria dos delegados. Pode-se dizer que, por conta disso, a vitória em alguns estados é mais importante do que em outros. Vencendo em grandes colégios eleitorais, como Texas ou Califórnia, o candidato obtém um número de delegados maior do que se vencesse em dois ou mais colégios eleitorais da dimensão de New Hampshire ou Maine.

Pode-se dizer que alguns partidos tem uma hegemonia em certos estados, como é o caso do Partido Republicano no Texas, ou o Partido Democrata em Nova Iorque (chamam esses casos de “safe states”). Também há o caso dos “swing states”, ou seja, estados que estão em constante mudança de ideologia partidária, como exemplo o estado de Ohio e Colorado.


4 - Quais são as principais ideologias, concordâncias e contrariedades dentro do partido republicano e democrata quanto aos debates que precedem as eleições?

Os democratas representam de certa forma os eleitores denominados como “liberais”. O significado dado à “liberal”, nos EUA, não é o mesmo dado no Brasil, visto que é atribuído àqueles candidatos que aderem, na falta de nome melhor, à agenda “progressista” (LGBT, questão racial, gênero, imigração) e defendem maior participação do Estado na economia (lembrando o legado de Roosevelt e do New Deal). Sobre política externa, defendem uma via mais diplomática de resolução de conflitos e são mais inclinados ao pacifismo. Por último, tendem a crer na “constituição viva”, ou seja, aberta a interpretações da Suprema Corte ligadas ao contexto histórico.

Já os republicanos são compostos por políticos de linhagem mais “conservadora”, o que significa maior reticência quanto às mudanças de costumes e de conduta moral, com a presença considerável de setores religiosos. Em economia, defendem a responsabilidade fiscal e a redução das atividades do Estado, visto como uma ameaça à liberdade individual e fonte de distorções no mercado. São mais literais na interpretação da constituição. Sobre a política externa, existem grupos (os “falcões”) que defendem uma participação mais ativa nas questões geopolíticas, posto que o que ocorre no exterior pode incidir nos EUA no futuro.


5 - Quais são as propostas de Clinton? E de Trump?

Hillary Clinton passa a impressão de ser apenas um “terceiro mandato” de Obama, devido à similaridade de suas propostas com a do então presidente dos EUA. Conta, ainda, com o apelo de gênero e com o apoio de minorias, mas não parece contagiar nem mesmo sua militância. Já o republicano Trump segue uma incógnita. Dependendo da declaração dada, pode defender mais liberdade de mercado ou mais protecionismo econômico.

Ele aposta no discurso exaltado e de orgulho nacional (o lema “Make America Great Again” diz muito sobre isso), mas falta consistência programática. Seus comentários sobre política externa parecem se voltar para um público “White trash”, descontente com os rumos dos EUA nos anos Obama. Certo mesmo é sua defesa de uma política de imigração mais restrita.


6 - Tendo em vista a importância dos imigrantes para a economia americana, qual dos candidatos apresenta um conjunto de propostas de solução mais viável em relação ao fluxo migratório vindo da Síria e principalmente do México? A chegada em massa de imigrantes representa algum risco aos EUA?

Hillary e os democratas parecem dispostos a violarem a Constituição e aceitarem um perdão generalizado aos imigrantes, que no fundo infringiram as leis estabelecidas nos EUA. Isso abre um precedente jurídico terrível para o futuro. Já os republicanos parecem mais dispostos a aplicarem as leis existentes.

Se Trump parece mais apelativo e altamente preconceituoso, Ted Cruz parece ser um político mais inteligente. Filho de imigrantes cubanos, Cruz entende os EUA como “terra de oportunidades”, mas se propõe a aplicar a lei e a Constituição, ou seja, defende o rigor jurídico no tratamento da questão.

7 - Qual dos candidatos apresenta um conjunto de propostas mais coerente à solução dos conflitos externos dos Estados Unidos, como o avanço do grupo terrorista Estado Islâmico e a Coréia do Norte, considerando a expansão do programa de desenvolvimento de armas nucleares do ditador Kim Jong-um?

Os candidatos do partido democrata não apresentam propostas bem consolidadas acerca da dinâmica da política externa dos EUA; Bernie Sanders, por exemplo, não se pronunciou a respeito do assunto. Já Hillary Clinton aparenta projetar continuidade aos hábitos de Obama de “simpatizar com o inimigo”, através de aproximações com Cuba ou Irã. Fora a frouxidão com que tratam o terrorismo que consome a Europa.

Se Trump apela para o absurdo, Ted Cruz raciocina de forma pragmática e rigorosa a respeito do combate ao terrorismo e dos interesses comerciais dos EUA com seus aliados mais importantes, como UE, Canadá e mesmo a China.


8 - Em relação à candidatura de Bernie Sanders, como você avalia o surgimento de um candidato com expressividade à presidência que se diz “socialista”, em um país considerado o “berço do capitalismo”? A que você atribui esse fenômeno?

Sanders seduz parcela da juventude mal-acostumada com a cultura dos “direitos”, que ignora a existência de limites orçamentários e são seduzidos pelo populismo econômico. Sua carta de intenções é imensa e inviável, e seu desconhecimento de noções básicas de economia é lamentável. Por isso seu sucesso com a velha guarda dos hippies e com jovens inexperientes.

Sem contar sua proposta de “revolução política” nas linhas do que chama de “socialismo democrático”, um oximoro perigoso. A história do século XX contraria tudo o que Sanders defende. Assim como Trump, creio que Sanders teria dificuldades em formar uma coalizão ampla, fundamental para se vencer as eleições americanas. O que é um alento.


9 - Quais são os candidatos mais coerentes com a atual conjuntura econômica e política dos EUA?

O candidato deve ser coerente apenas com sua ideologia e a doutrina econômica a qual este é adepto. Atualmente, em meio à uma crise de baixo crescimento econômico – devido a um legado negativo do governo Obama – espera-se que o próximo presidente dos EUA tome medidas econômicas diferentes do mesmo, de modo que o Estado seja menos interventor na economia. O candidato que apresenta maior coerência com essas necessidades é Ted Cruz, um candidato de orientação liberal na economia.


10 - Mesmo com uma mudança presidencialista radical, como para Trump ou Sanders, a política externa dos EUA mudaria sensivelmente?

Apesar de o presidente ser o comandante-em-chefe, há certos limites constitucionais. Há ainda a necessidade de lidar com a opinião pública e com a imprensa, o que não é fácil. Sanders quase não tratou de política externa, preferindo vender utopias aos universitários, o que não deixa de ser um problema num momento em que o terrorismo exige uma resposta veemente. O mesmo pode ser dito de Hillary.

Já Trump passa a impressão de desconhecimento das relações internacionais e joga perigosamente com um discurso demagógico que tem forte ressonância entre os americanos menos escolarizados e ressentidos. Acredito que, até agora, Ted Cruz parece dosar realismo político e um bom entendimento do protagonismo americano ante aos problemas que o Ocidente enfrenta, como imigração e terrorismo.



 

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